É de conhecimento público que o mundo está vivenciando uma pandemia com impactos e reflexos que nossa geração jamais viu. O reforço nos hábitos de higiene e o isolamento social são medidas aconselhadas pelas autoridades sanitárias de todo mundo, uma vez que o coronavírus ainda não tem cura nem tratamento definido.
Em consequência, o coronavírus também vem impondo novos desafios para toda a sociedade, inclusive nas relações de trabalho, que em momentos de grande incerteza, tende assolar de forma mais severa o trabalhador e as pequenas empresas.
A fim de trazer segurança jurídica em tempos imprecisos, o Governo Federal editou, em 22 de março de 2020, a Medida Provisória nº 927, que adota diversas medidas trabalhistas, com o objetivo de preservar empregos e empresas, em outras palavras, dar um fôlego ao caixa das empresas nesse período de vendas e produtividade baixa e evitar demissões em massa de trabalhadores.
Enquanto vigorar o estado de calamidade pública, decorrente do coronavírus, patrões poderão adotar as medidas que a MP 927 prevê e, por outro lado, deixar de aplicar as disposições de igual assunto contidas na CLT, recaindo essas novas regras em todos os trabalhadores, seja ele, trabalhador doméstico, urbano ou rural.
O instituto das férias, por exemplo, sofreu diversas alterações pela nova medida provisória e os patrões poderão deixar de aplicar as regras que a CLT preceitua acerca das férias enquanto vigorar o estado de calamidade pública previsto no Decreto Legislativo nº 6 de 2020.
O pagamento das férias é, ao nosso entender, uma das principais novidades trazidas pela MP 927, pois flexibiliza o prazo para o pagamento das férias e do 1/3 constitucional das férias. A CLT, em seu art. 145, prevê que o abono de férias e o 1/3 constitucional devem ser pagos em até 2 dias antes do início do gozo das férias.
Porém, o art. 9º e 10º da MP 927 afastam momentaneamente esta regra e permite que o patrão conceda as férias ao empregado e pague-as até o 5º dia útil do mês seguinte ao gozo das férias e o 1/3 constitucional pode ser pago até a data do pagamento do 13º salário de 2020.
Exemplificando: um trabalhador, que recebe um salário mínimo, tem as férias concedidas por conta da pandemia do coronavírus e ficará em casa 30 dias, a partir do dia 01/04. Irá receber o salário do mês de março trabalhado normalmente, porém não receberá o abono de férias nem um 1/3 constitucional. Quando retornar das férias, em 01/05, deverá receber até o quinto dia útil, o valor do abono de férias; já o valor do 1/3 constitucional deverá ser pago pelo patrão até o dia 20/12, data limite para o pagamento do 13º salário.
Com relação a notificação da concessão de férias, esta deve ser feita 48h antes do início das férias, devendo tal comunicação ser por escrito ou por meio eletrotônico, como e-mail ou mensagem de whatsapp. Logo, a regra prevista na CLT, da obrigatoriedade de comunicar as férias com pelo menos 30 dias de antecedência, está suspensa.
Importante ressaltar que o período de férias não poderá ser inferior a 5 dias corridos, podendo ainda as férias decorrentes do estado de calamidade pública da covid-19 serem divididas em até três períodos, não podendo nenhum desses períodos ser menor que 5 dias.
Embora a MP 927, em seu art. 6º, fale da “antecipação das férias”, dando a entender que só é alcançado pelas novas regras aquele trabalhador que ainda não adquiriu o direito de tirar férias, o obreiro que já possui direito de gozar as férias também está inserido nas regras dessa MP, conforme se infere da leitura do art. 6º, §1º, II, da MP 927.
Dessa forma, tanto o trabalhador que ainda não adquiriu o direito de fruir férias, ou seja, que ainda está no período aquisitivo, como o obreiro que já adquiriu o direito de férias, ou seja, está no período concessivo, estão sujeitos a terem suas férias concedidas e pagas sob a observância da MP 927.
Exemplificando: João trabalha há 8 meses numa lanchonete, logo ainda não teria direito de tirar férias, pois não completou 12 meses de casa. Mas por conta da MP 927, o patrão poderá antecipar suas férias e conceder a João até 30 dias corridos de descanso.
Outro exemplo: Maria trabalha como assistente num grande escritório de contabilidade desde janeiro de 2019. Logo, ela já possui direito de tirar férias, estando no que é chamado de período concessivo de férias. Mesmo já tendo tal direito, suas férias poderão ser concedidas observando as regras da MP 927, inclusive no que se refere ao pagamento do abono de férias e do 1/3 constitucional.
Outro ponto importante trazido pela MP 927 diz respeito aos profissionais da saúde e aqueles que trabalham em serviços considerados essenciais, como supermercados, farmácias, transporte de alimentos e medicamentos, serviço de segurança pública e privada, telecomunicações e internet, serviços de energia e água, dentre previsto no Decreto nº 10.282 de 20 de março de 2020, da Presidência da República.
Os trabalhadores da saúde ou que se encaixam em uma das hipóteses de serviço essencial, independentemente de já estarem fruindo de férias, ou licença remunerada, ou já possuírem direito de gozá-las, poderão ter suas férias suspensas, devendo o empregador comunicar ao empregado, por escrito ou por meio eletrônico, em até 48h, da suspensão.
Com relação as férias coletivas dos empregados, fica suspensa temporariamente a regra prevista nos artigos 139 a 141 da CLT. Com a MP 927, as empresas ficam dispensadas da obrigatoriedade de comunicar a concessão das férias coletivas aos órgãos de controle governamentais, como o Ministério da Economia, e aos sindicatos. Também fica permitido a concessão de férias coletivas em até dois períodos, podendo tais períodos serem inferiores a 10 dias.
Outro ponto, este bastante polêmico, diz respeito a possibilidade do empregador e o empregado negociarem férias futuras, por meio de acordo individual entre patrão e trabalhador e sem a chancela do sindicado.
Em outras palavras, o art. 6º, §2º da MP 927 permite que o patrão negocie a antecipação de férias futuras, podendo o empregado, em tese, fruir de dois períodos de férias consecutivos, suprimindo, assim, o direito de férias que o empregado teria direito no próximo ano, o que viola a Constituição Federal, que preceitua a regra de fruição de férias de 30 dias, a cada ano, na forma do art. 7º, XVII, da CFRB/88.
É aconselhável ao empresário agir com cautela no que tange a antecipação de férias cumulada com a negociação de férias futuras do empregado, pois é provável que Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade deste dispositivo da MP 927.
Caso opte por tal negociação, aconselha-se ao patrão somente negociar 1/3 dos dias de férias do empregado, ou seja, “comprar” apenas 10 dias de férias do empregado, conforme já prevê o art. 143 da CLT.
Por fim, destaca-se que a Medida Provisória 927, publicada em 22/03/2020, já está em vigor, tendo suas regras eficácia imediata, pois tem força de lei. Porém a medida provisória tem um prazo de validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, devendo o Congresso Nacional votá-la e convertê-la em lei, pois caso contrário, as regras previstas na MP 927 perderão a validade.
A antecipação de férias, na forma da MP 927, evitará, portanto, a circulação de pessoas durante a quarentena, garante que o empregado permaneça no emprego e dará um fôlego no orçamento das empresas .
São tempos difíceis, com desafios jamais visto por essa geração. Por isso, aconselha-se aos empresários e aos empregados que sejam razoáveis e observem as medidas apresentadas pelo governo com racionalidade, pois o objetivo agora é evitar demissões e o fechamento de empresas.
Igor Formagueri
Advogado do Escritório Vanderson José Advogados Associados
07 de Abril de 2020